REVERENDO BONIFÁCIO

Este pesado e enorme angorá, branco com malhas louras, era (...)o fiel companheiro de Afonso. Tinha nascido em Santa Olávia, e recebera então o nome de Bonifácio: (...) era o «Reverendo Bonifácio»
(in QUEIRÓS, Eça de, Os Maias)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Resumo




1/2




2/2

(Série inspirada na obra Os Maias, de Eça de Queiroz)

Os Novos «Vencidos da Vida»


.......E aqui tens tu a vida, meu Ega! Neste quarto, durante noites, sofri a certeza de que tudo no mundo acabara para mim... Pensei em me matar. Pensei em ir para a Trapa. E tudo isto friamente, como uma conclusão lógica. Por fim, dez anos passaram, e aqui estou outra vez...
(...)
.......- Não há nada que me faça mais pena , do que não ter um retrato do avô!... Em todo o caso este sempre o vou levar para Paris.
.......Então Ega perguntou, do fundo do sofá onde se enterrara, se, nesses últimos anos, ele não tivera a ideia, o vago desejo de voltar para Portugal...
.......Carlos considerou Ega com espanto. Para quê? Para arrastar os passos tristes desde o Grémio até à Casa Havanesa? Não! Paris era o único lugar da Terra congénere com o tipo definitivo em que ele se fixara: «o homem rico que vive bem». Passeio a cavalo no Bois; almoço no Bignon; uma volta pelo boulevard; uma hora no clube com os jornais, um bocado de florete na sala de armas; à noite a Comédie Française ou uma soirée; Trouville no Verão, alguns tiros às lebres no Inverno; e através do ano as mulheres, as corridas, certo interesse pela ciência, o bricabraque, e uma pouca de blague. Nada mais inofensivo, mais nulo, e mais agradável.
.......- E aqui tens tu uma existência de homem! Em dez anos não me tem sucedido nada, a não ser quando se me quebrou o faetonte na estrada de Saint-Cloud... Vim no Figaro.
.......Ega ergueu-se, atirou um gesto desolado:
.......- Falhámos a vida, menino!
.......- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «Vou ser assim, porque a beleza está em ser assim.» E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente.
Ega concordou, com um suspiro mudo, começando a calçar as luvas.
.......(...)
.......- É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida – a paixão.
.......- Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!
.......- E que somos nós?- exclamou Ega. – Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão...
.......(...)
.......Riram ambos. Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes em dias suaves. E nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada a que se chama o Eu ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo... Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.
.......Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade de todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na Terra porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Ecclesiastes, em desilusão e poeira.
.......— Se me dissessem que ali em baixo estava uma fortuna como a dos Rothschilds ou a coroa imperial de Carlos V, à minha espera, para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo... Não! Não saía deste passinho lento, prudente, correcto, que é o único que se deve ter na vida.
.......— Nem eu! — acudiu Carlos com uma convicção decisiva. E ambos retardaram o passo, descendo para a Rampa de Santos, como se aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde eles, certos de só encontrarem ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais avançar senão com lentidão e desdém. Já avistavam o Aterro, a sua longa fila de luzes. De repente Carlos teve um largo gesto de contrariedade:
.......— Que ferro! E eu que vinha desde Paris com este apetite! Esqueci-me de mandar fazer hoje, para o jantar, um grande prato de paio com ervilhas.
E agora já era tarde, lembrou Ega. Então Carlos, até aí esquecido em memórias do passado e sínteses da existência, pareceu ter inesperadamente consciência da noite que caíra, dos candeeiros acesos. A um bico de gás tirou o relógio. Eram seis e um quarto!
.......— Oh, diabo!... E eu que disse ao Vilaça e aos rapazes para estarem no Bragança, pontualmente, às seis! Não aparecer por aí uma tipóia!...
.......— Espera! exclamou Ega. — Lá vem um americano, ainda o apanhamos.
.......— Ainda o apanhamos!
.......Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
.......— Que raiva ter esquecido o paiozinho!
Enfim, acabou-se. Ao menos assentámos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma.
.......Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
.......— Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
.......A lanterna vermelha do americano, ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega
uma esperança, outro esforço:
.......— Ainda o apanhamos!
.......— Ainda o apanhamos!
.......De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o americano, os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Na Toca

Mas depois o quarto que devia ser o seu, quando Carlos lho foi mostrar, desagradou-lhe com o seu luxo estridente e sensual. Era uma alcova recebendo a claridade de uma sala forrada de tapeçarias, onde desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte: da porta de comunicação, arredondada em arco de capela, pendia uma pesada lâmpada da Renascença, de ferro forjado: e, àquela hora, batida por uma larga faixa de Sol, a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profanado, convertido em retiro lascivo de serralho... Era toda forrada, paredes e tecto, de um brocado amarelo, cor de botão-de-oiro; um tapete de veludo, do mesmo tom rico, fazia um pavimento de oiro vivo sobre que poderiam correr nus os pés ardentes de uma deusa amorosa — e o leito de dossel, alçado sobre um estrado, coberto com uma colcha de cetim amarelo, bordada a flores de oiro, envolto em solenes cortinas também amarelas de velho brocatel, enchia a alcova, esplêndido e severo, e como erguido para as voluptuosidades grandiosas de uma paixão trágica do tempo de Lucrécia ou de Romeu. E era ali que o bom Craft, com um lenço de seda da Índia amarrado na cabeça, ressonava as suas sete horas, pacata e solitariamente.
Mas Maria Eduarda não gostou destes amarelos excessivos.
Depois impressionou-se, ao reparar num painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro — onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um prato de cobre. E para maior excentricidade, a um canto, de cima de uma coluna de carvalho, uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoirentos... Maria Eduarda achava impossível ter ali sonhos suaves.
Carlos agarrou logo na coluna e no mocho, atirou-os para um canto do corredor; e propôs-lhe mudar aqueles brocados, forrar a alcova de um cetim cor-de-rosa e risonho.
— Não, venho-me a acostumar a todos esses oiros... Somente aquele quadro, com a cabeça, e com o sangue... Jesus, que horror!
— Reparando bem — disse Carlos — creio que é o nosso velho amigo S. João Baptista.


Texto: Os Maias, Eça de Queiroz, Biblioteca Digital, Colecção CLÁSSICOS DA LITERATURA PORTUGUESA, Cap. XIII, pp. 359-360.
Imagem: Hans Memling (c. 1430-1494), pormenor do "Tríptico de São João", 1474;
Memlingmuseum, Sint-Janshospitaal, Bruges (in http://abaixodecao.blogspot.com/2006/10/colorgraphia-xliv.html, 18/05/2009)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

ANGÚSTIA INEXPLICÁVEL

- Porque não havemos de partir já para a Itália? perguntou ela de repente, procurando a mão de Carlos. Se tem de ser, porque não há-de ser já?... Escusávamos de ter estes segredos, estes sustos!
- Sustos de quê, meu amor? Estamos aqui tão seguros como na Itália, como na China... De resto podemos partir mais depressa, se quiseres... Diz tu um dia, marca um dia!
Ela não respondeu, deixando cair docemente a cabeça sobre o ombro de Carlos. Ele acrescentou, devagar:
- Em todo o caso, compreendes bem, preciso primeiro ir a Santa Olávia, ver o avô...
Os olhos de Maria perdiam-se outra vez na escuridão como recebendo dela o presságio dum futuro, onde tudo seria confuso e escuro também.
- Tu tens Santa Olávia, tens teu avô, tens os teus amigos... Eu não tenho ninguém!
Carlos estreitou-a a si, enternecido.
- Não tens ninguém! Isso dito a mim! Nem chega a ser injustiça, nem chega a ser ingratidão! É nervoso; e é também o que os ingleses chamam a «impudente adulteração dum facto.»
Ela ficara aninhada no peito de Carlos, como desfalecida.
- Não sei porquê, queria morrer...
Um largo brilho de relâmpago alumiou o rio. Maria teve medo, entraram na alcova. Os molhos de velas de duas serpentinas, batendo os damascos e os cetins amarelos, embebiam o ar tépido, onde errava um perfume, numa refulgência ardente de sacrário: e as bretanhas, as rendas do leito já aberto punham uma casta alvura de neve fresca nesse luxo amoroso e cor de chama. Fora, para os lados do mar, um trovão rolou lento e surdo. Mas Maria já o não ouviu, caída nos braços de Carlos. Nunca o desejara, nunca o adorara tanto! Os seus beijos ansiosos pareciam tender mais longe que a carne, trespassá-lo, querer sorver-lhe a vontade e a alma: - e toda a noite, entre esses brocados radiantes, com os cabelos soltos, divina na sua nudez, ela lhe apareceu realmente como a Deusa que ele sempre imaginara, que o arrebatava enfim, apertado ao seu seio imortal, e com ele pairava numa celebração de amor, muito alto, sobre nuvens de ouro...
Quando saiu, ao amanhecer, chovia.
Eça de Queirós, Os Maias, cap. XIV (pp. 458-459)

SIMBOLOGIA


Os Maias estão repletos de símbolos.

Afonso da Maia é uma figura simbólica - o seu nome é simbólico, tal como o de Carlos - o nome do último Stuart, escolhido pela mãe. Carlos irá ser o último Maia - note-se a ironia em forma de presságio.

No Ramalhete, esta designação e o emblema que decora a fachada (o ramo de girassóis) mostram a importância da terra e da província no passado da família Maia. A "gravidade clerical do edifício" demonstra a influência que o clero teve em Portugal e no passado desta família.

Por oposição, as obras de restauro, levadas a cabo por Carlos, introduziram o luxo e a decoração cosmopolita; simbolizam uma nova oportunidade, uma reforma da casa (ou do país) para uma nova etapa - é o reflexo do ideal reformista da Geração de Carlos. Carlos é um símbolo da Geração de 70, tal como o é Ega. Tal como o país, também eles caíram no "vencidismo". No último capítulo, a imagem deixada pelo Ramalhete, abandonado e tristonho, cheio de recordações, está muito relacionado com o modo como Eça via o país, em plena crise do regime.

O quintal do Ramalhete, também sofre uma evolução. O fio de água da cascata é símbolo da eterna melancolia do tempo que passa, dos sentimentos que leva e traz. A estátua de Vénus que, enegrece com a fuga de Maria Monforte, no final a sua presença obscura no quintal é uma vaga premonição da tragédia. Ela marca o início e o fim da acção principal.
No quarto da Toca, o quadro com a cabeça degolada e a enorme coruja empalhada são símbolos e presságios de desgraça. Estes aposentos simbolizam o carácter trágico, a profanação das leis humanas e cristãs.
Também um armário do salão nobre da Toca contém uma simbologia trágica. Os guerreiros simbolizam a heroicidade, os evangelistas, a religião e os troféus agrícolas o trabalho: qualidades que existiram um dia na família (e no Portugal da epopeia). Os dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e desprezadora de tudo e todos. No final do romance, um partiu o seu pé de cabra e o outro a flauta bucólica, pormenores que parecem simbolizar o desafio sacrílego dos faunos a tudo quanto era excelso e sublimado na tradição dos antepassados.

Não é difícil ler-se o percurso da família Maia, nas alterações sofridas pelo Ramalhete. No início, o Ramalhete não tem vida. Em seguida, habitado, torna-se símbolo da esperança e da vida, é como que um renascimento. Finalmente, a tragédia abate-se sobre a família e eis a cascata chorando, deitando as últimas gotas de água, a estátua coberta de ferrugem; tudo tem um carácter funéreo. O cedro e o cipreste, são árvores que pela sua longevidade, significam a vida e a morte, foram testemunhas das várias gerações da família.

A morte instala-se nesta família. No Ramalhete todo o mobiliário degradado e disposto em confusão, todos os aposentos melancólicos e frios, tudo deixa transparecer a realidade de destruição e morte. E se os Maias representam Portugal, a morte instalou-se no país.
A Toca é o nome dado à habitação de certos animais, o que, desde logo, parece simbolizar o carácter animalesco do relacionamento de Carlos e Maria Eduarda. Os aposentos de Maria Eduarda simbolizam o carácter trágico, a profanação das leis humanas e cristãs.

Os Maias estão também, povoados de símbolos cromáticos: a cor vermelha tem um carácter duplo, Maria Monforte e Maria Eduarda são portadoras de um vermelho feminino, despertam a sensibilidade à sua volta; espalham a morte. O vermelho é, portanto, o símbolo da paixão excessiva e destruidora.
O vermelho da Vila Balzac é muito intenso, indicando a dimensão essencialmente carnal e efémera dos encontros de amor de Ega e Raquel Cohen.
O tom dourado está também presente, indicando a paixão ardente; anunciando a velhice (o Outono), a proximidade da morte. A morte prefigurada pela cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora.
Mãe e filha conjugam em si estas três cores: elas são, portanto, vida e morte, o divino e o humano, a aparência e a realidade, a força que se torna fraqueza.No final, a estátua de Camões é o símbolo da nostalgia do passado mais recuado do país. Constata-se, assim, que a simbologia d'Os Maias é claramente pressagiosa da tragédia.
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/index.html (com adaptações em 18/05/2009).

11º C - TRABALHOS DOS ALUNOS


No âmbito do estudo deste romance de Eça de Queiroz, os alunos do 11º C produziram os trabalhos em vídeo que aqui se publicam.

(NOTA: Os trabalhos estão apresentados tal como foram entregues. )


«Carta de Maria Monforte»


Cristina Freire
#
«Entrevista a Afonso da Maia»

Vicente Santos
#

«Eco-informação»

Ana Silva, Liliane Jesus e Lisete Fernandes
#
«Notícia de Última Hora»

Elsa e Mariana
#
«Autobiografia de Maria Eduarda»

Anabel
#
«Episódios da Vida Literária»

Marina
#
«O Bilhete»

Andreia e Patrícia
#
«Literatura Portuguesa»
Ana Raquel
#
«Ler Com Gosto»
Neide e Vanessa

11ºB - TRABALHOS DOS ALUNOS

No âmbito do estudo deste romance de Eça de Queiroz, os alunos do 11º B produziram os trabalhos em audio e em vídeo que aqui se publicam.
(NOTAS: Os trabalhos estão apresentados tal como foram entregues.)
«Última Hora»
Ricardo Almeida e Filipe Camarneiro
#
«Entre Amigas»
Ana Micaela Cunha e Mariana Simões
#
«Documentário»
Carlos Daniel e Luís Matias
#
«Monforte e Maia apresentam-se»
Soraya e Ricardo Rocha
#
«Um Amor Impossível»
Catarina e Cristina
#
Leituras
Joana Martins e Mariana Rocha

quinta-feira, 7 de maio de 2009

- Très chic!


.....Entravam então no peristilo do Hotel Central — e nesse momento um coupé da Companhia, chegando a largo trote do lado da Rua do Arsenal, veio estacar à porta.
.....Um esplêndido preto, já grisalho, de casaca e calção, correu logo à portinhola; de dentro um rapaz muito magro, de barba muito negra, passou-lhe para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa, de pêlos esguedelhados, finos como seda e cor de prata; depois apeando-se, indolente e poseur, ofereceu a mão a uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz da suas botinas. O rapaz ao lado, esticado num fato de xadrezinho inglês, abria negligentemente um telegrama; o preto seguia com a cadelinha nos braços. E no silêncio a voz de Craft murmurou:
Très chic.
(...)

.....Baptista trouxera o chá, o charuto do Alencar acabara; e ele continuava na chaise-longue, como amolecido nestas recordações, e cedendo já, num meio adormecimento, à fadiga do longo jantar... E então, pouco a pouco, diante das suas pálpebras cerradas, uma visão surgiu, tomou cor, encheu todo o aposento. Sobre o rio, a tarde morria numa paz elísia. O peristilo do Hotel Central argava-se, claro ainda. Um preto grisalho vinha, com uma cadelinha no colo. Uma mulher passava, alta, com uma carnação ebúrnea, bela como uma deusa, num casaco de veludo branco de Génova. O Craft dizia ao seu lado: Très chic. E ele sorria, no encanto que lhe davam estas imagens, tomando o relevo, a linha ondeante, e a coloração de coisas vivas.
.....Eram três horas quando se deitou. E apenas adormecera na escuridão dos cortinados de seda, outra vez um belo dia de Inverno morria sem uma aragem, banhado de cor-de-rosa; o banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda na tarde; o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços; uma mulher passava, com um casaco de veludo branco de Génova, mais alta que uma criatura humana, caminhando sobre nuvens, com um grande ar de Juno que remonta ao Olimpo: a ponta dos seus sapatos de verniz enterrava-se na luz do azul, por trás as saias batiam-lhe como bandeiras ao vento. E passava sempre... O Craft dizia: Très chic. Depois tudo se confundia (...).
(idem, p.153)


(Série brasileira inspirada na obra de Eça de Queiroz, "Os Maias", de M. Adelaide Amaral. Edição de Elaine Cristina.) Fonte: Youtube, em 20/04/2009)
(Atenção: esta série é uma ADAPTAÇÃO da obra.)

Ega prevê o futuro de Carlos


.....«— Sou um ressequido! — disse ele [Carlos] sorrindo. — Sou um impotente de sentimento, como Satanás... Segundo os padres da Igreja, a grande tortura de Satanás é que não pode amar.
.....— Que frases essas, menino! — murmurou Ega.
.....Como frases? Era uma atroz realidade! Passava a vida a ver as paixões falharem-lhe nas mãos como fósforos. Por exemplo, com a coronela de hussardos em Viena! Quando ela faltou ao primeiro rendez-vous, chorara lágrimas como punhos, com a cabeça enterrada no travesseiro e aos coices à roupa. E daí a duas semanas, mandava postar o Baptista à janela do hotel, para ele se safar, mal a pobre coronela dobrasse a esquina! E com a holandesa, com Madame Rughel, pior ainda. Nos primeiros dias foi uma insensatez: queria-se estabelecer para sempre na Holanda, casar com ela (apenas ela se divorciasse), outras loucuras; depois os braços que ela lhe deitava ao pescoço, e que lindos braços, pareciam-lhe pesados como chumbo...
.....— Passa fora, pedante! E ainda lhe escreves! — gritou Ega.
(...)
.....Depois vindo plantar-se diante de Carlos, de monóculo no olho:
.....— Tu és extraordinário, menino!... Mas o teu caso é simples, é o caso de Don Juan. Don Juan também tinha essas alternações de chama e cinza. Andava à busca do seu ideal, da sua mulher, procurando-a principalmente, como de justiça, entre as mulheres dos outros. E après avoir couché, declarava que se tinha enganado, que não era aquela. Pedia desculpa e retirava-se. Em Espanha experimentou assim mil e três. Tu és simplesmente, como ele, um devasso; e hás-de vir a acabar desgraçadamente como ele, numa tragédia infernal!
.....Esvaziou outro copo de champanhe, e a grandes passadas pela sala:
.....— Carlinhos da minha alma, é inútil que ninguém ande à busca da «sua mulher». Ela virá. Cada um tem a «sua mulher» e necessariamente tem de a encontrar. Tu estás aqui, na Cruz dos Quatro Caminhos, ela está talvez em Pequim: mas tu, aí a raspar o meu repes com o verniz dos sapatos, e ela a orar no templo de Confúcio, estais ambos insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro!... Estou eloquentíssimo hoje, e temos dito coisas idiotas. Toca a vestir. E, enquanto eu adorno a carcaça, prepara mais frases sobre Satanás!"

(in QUEIROZ, Eça de, OS MAIAS, cap. VI, p. 151-152)

sábado, 2 de maio de 2009

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Os modelos educacionais: Eusébio e Carlos, símbolos do passado e do futuro de um país.



.....Eis a comparação, sistematizada e devidamente documentada, entre a educação dada a Carlos da Maia e a dada a Eusébio Silveira.
.....Obviamente, não dispensa a leitura da obra, em especial os capítulos III e IV.







sexta-feira, 24 de abril de 2009

Eusébiozinho, o anjo sovado


.....Enquanto o escudeiro rolava para o pé da poltrona de Afonso, numa mesa baixa, os cristais e as garrafas de soda, Vilaça, com as mãos nos bolsos, de pé e pensativo, olhava a brasa da acha que morria na cinza branca. Depois ergueu a cabeça, para murmurar, como ao acaso:
.....— Aquele rapazito é esperto...
.....— Quem? o Eusebiozinho? — disse Afonso, que se acomodava junto ao fogão, enchendo alegremente o cachimbo. — Eu tremo de o ver cá, Vilaça! O Carlos não gosta dele, e tivemos aí um desgosto horroroso... Foi já há meses. Havia uma procissão e o Eusebiozinho ia de anjo... As Silveiras, excelentes mulheres, coitadas, mandaram-no cá para o mostrar à viscondessa, já vestido de anjo. Pois senhores, distraímo-nos, e o Carlos, que o andava a rondar, apodera-se dele, leva-o para o sótão, e, meu caro Vilaça... Em primeiro lugar ia-o matando porque embirra com anjos... Mas o pior não foi isso. Imagine você o nosso terror, quando nos aparece o Eusebiozinho aos berros pela titi, todo desfrisado, sem uma asa, com a outra a bater-lhe os calcanhares dependurada de um barbante, a coroa de rosas enterrada até ao pescoço, e os galões de ouro, os tules, as lantejoulas, toda a vestimenta celeste em frangalhos!...
Enfim, um anjo depenado e sovado... Eu ia dando cabo do Carlos.
.....Bebeu metade da sua soda, e passando a mão pelas barbas, acrescentou, com uma satisfação profunda:
.....— É levado do Diabo, Vilaça!
.....O administrador, sentado agora à borda de uma cadeira, esboçou uma risadinha muda; depois ficou calado, olhando Afonso, com as mãos nos joelhos, como esquecido e vago, Ia abrir os lábios, hesitou ainda, tossiu de leve; e continuou a seguir pensativamente as faíscas que erravam sobre as achas.
.....Afonso da Maia, no entanto, com as pernas estiradas para o lume, recomeçara a falar do Silveirinha. Tinha três ou quatro meses mais que Carlos, mas estava enfezado, estiolado, por uma educação à portuguesa: daquela idade ainda dormia no choco com as criadas, nunca o lavavam para o não constiparem, andava couraçado de rolos de flanelas! Passava os dias nas saias da titi a decorar versos, paginas inteiras do Catecismo de Perseverança. Ele por curiosidade um dia abrira este livreco e vira lá «que, o Sol é que anda em volta da Terra (como antes de Galileu), e que Nosso Senhor todas as manhãs dá as ordens ao Sol, para onde há-de ir e onde há-de parar, etc., etc.». E assim lhe estavam arranjando uma almazinha de bacharel...

in OS MAIAS, capítulo III, Biblioteca Digital Colecção CLÁSSICOS DA LITERATURA PORTUGUESA, © Porto Editora

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Carlos recorda como Ega lhe revelou quem era a Mãe

........E era simpático o pobre Alencar! Com que cuidado exagerado, ao falar de Pedro, de Arroios, dos amigos e dos amores de então, ele evitara pronunciar sequer o nome de Maria Monforte! Mais de uma vez, pelo Aterro fora, estivera para lhe dizer: — Podes falar da mamã, amigo Alencar, que eu sei perfeitamente que ela fugiu com um italiano!
........E isto fê-lo insensivelmente recordar da maneira como essa lamentável história lhe fora revelada, em Coimbra, numa noite de troça, quase grotescamente. Porque o avô, obedecendo à carta testamentária de Pedro, contara-lhe um romance decente: um casamento de paixão, incompatibilidades de naturezas, uma separação cortês, depois a retirada da mamã com a filha para a França, onde tinham morrido ambas. Mais nada. A morte de seu pai fora-lhe apresentada sempre como brusco remate de uma longa nevrose... Mas Ega sabia tudo, pelos tios... Ora uma noite tinham ceado ambos; Ega muito bêbado, e num acesso de idealismo, lançara-se num paradoxo tremendo, condenando a honestidade das mulheres como origem da decadência das raças: e dava por prova os bastardos, sempre inteligentes, bravos, gloriosos! Ele, Ega, teria orgulho se sua mãe, sua própria mãe, em lugar de ser a santa burguesa que rezava o terço à lareira, fosse como a mãe de Carlos, uma inspirada, que por amor de um exilado abandonara fortuna, respeitos, honra, vida! Carlos, ao ouvir isto, ficara petrificado, no meio da ponte, sob o calmo luar. Mas não pôde interrogar o Ega, que já taramelava, agoniado, e que não tardou a vomitar-lhe ignobilmente nos braços. Teve de o arrastar à casa das Seixas, despi-lo, aturar-lhe os beijos e a ternura borracha, até que o deixou abraçado ao travesseiro, babando-se, balbuciando «que queria ser bastardo, que queria que a mamã fosse uma marafona!...»
........E ele mal pudera dormir essa noite, com a ideia daquela mãe, tão outra do que lhe haviam contado, fugindo nos braços de um desterrado — um polaco talvez! Ao outro dia, cedo, entrava pelo quarto do Ega, a pedir-lhe, pela sua grande amizade, a verdade toda...
........Pobre Ega! Estava doente: fez-se branco como o lenço que tinha amarrado na cabeça com panos de água sedativa: e não achava uma palavra, coitado! Carlos, sentado na cama, como nas noites de cavaco, tranquilizou-o. Não vinha ali ofendido, vinha ali curioso!
Tinham-lhe ocultado um episódio extraordinário da sua gente, que diabo, queria sabê-lo! Havia romance! Para ali o romance!
........Ega, então, lá ganhou ânimo, lá balbuciou a sua história — a que ouvira ao tio Ega — a paixão de Maria por um príncipe, a fuga, o longo silêncio de anos que se fizera sobre ela...
........Justamente as férias chegavam. Apenas em Santa Olávia, Carlos contou ao avô a bebedeira do Ega, os seus discursos doidos, aquela revelação vinda entre arrotos. Pobre avô! Um momento nem pôde falar — e a voz por fim veio-lhe tão débil e dolente como se dentro do peito lhe estivesse morrendo o coração. Mas narrou-lhe, detalhe a detalhe, o feio romance todo até àquela tarde em que Pedro lhe aparecera lívido, coberto de lama, a cair-lhe nos braços, chorando a sua dor com a fraqueza de uma criança. E o desfecho desse amor culpado, acrescentara o avô, fora a morte da mãe em Viena de Áustria, e a morte da pequenita, da neta que ele nunca vira, e que a Monforte levara... E eis aí tudo. E assim, aquela vergonha doméstica estava agora enterrada, ali, no jazigo de Santa Olávia, e em duas sepulturas distantes, em país estrangeiro...
........Carlos recordava-se bem que nessa tarde, depois da melancólica conversa com o avô, devia ele experimentar uma égua inglesa: e ao jantar não se falou senão da égua, que se chamava Sultana. E a verdade era que daí a dias tinha esquecido a mamã. Nem lhe era possível sentir por esta tragédia senão um interesse vago e como literário. Isto passara-se havia vinte e tantos anos, numa sociedade quase desaparecida. Era como o episódio histórico de uma velha crónica de família, um antepassado morto em Alcácer Quibir, ou uma das suas avós dormindo num leito real. Aquilo não lhe dera uma lágrima, não lhe pusera um rubor na face. Decerto, preferiria poder orgulhar-se de sua mãe, como de uma rara e nobre flor de honra: mas não podia ficar toda a vida a amargurar-se com os seus erros. E porquê? A honra dele não dependia dos impulsos falsos ou torpes que tivera o coração dela. Pecara, morrera, acabou-se. Restava, sim, aquela ideia do pai, findando numa poça de sangue, no desespero dessa traição. Mas não conhecera seu pai: tudo o que possuía dele e da sua memória, para amar, era uma fria tela mal pintada, pendurada no quarto de vestir, representando um moço moreno, de grandes olhos, com luvas de camurça amarelas e um chicote na mão... De sua mãe não ficara nem um daguerreótipo, nem sequer um contorno a lápis. O avô tinha-lhe dito que era loira. Não sabia mais nada. Não os conhecera; não lhes dormira nos braços; nunca recebera o calor da sua ternura. Pai, mãe, eram para ele como símbolos de um culto convencional. O papá, a mamã, os seres amados, estavam ali todos — no avô.
........Baptista trouxera o chá, o charuto do Alencar acabara; e ele continuava na chaise-longue, como amolecido nestas recordações, e cedendo já, num meio adormecimento, à fadiga do longo jantar... E então, pouco a pouco, diante das suas pálpebras cerradas, uma visão surgiu, tomou cor, encheu todo o aposento. Sobre o rio, a tarde morria numa paz elísia. O peristilo do Hotel Central alargava-se, claro ainda. Um preto grisalho vinha, com uma cadelinha no colo.
Uma mulher passava, alta, com uma carnação ebúrnea, bela como uma deusa, num casaco de veludo branco de Génova. O Craft dizia ao seu lado: Très chic. E ele sorria, no encanto que lhe davam estas imagens, tomando o relevo, a linha ondeante, e a coloração de coisas vivas.
........Eram três horas quando se deitou. E apenas adormecera na escuridão dos cortinados de seda, outra vez um belo dia de Inverno morria sem uma aragem, banhado de cor-de-rosa; banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda na tarde; o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços; uma mulher passava, com um casaco de veludo branco de Génova, mais alta que uma criatura humana, caminhando sobre nuvens, com um grande ar de Juno que remonta ao Olimpo: a ponta dos seus sapatos de verniz enterrava-se na luz do azul, por trás as saias batiam-lhe como bandeiras ao vento. E passava sempre... O Craft dizia: Très chic. Depois tudo se confundia, e era só o Alencar, um Alencar colossal, enchendo todo o céu, tapando o brilho das estrelas com a sua sobrecasaca negra e mal feita, os bigodes esvoaçando ao vendaval das paixões, alçando os braços, clamando no espaço:

....................Abril chegou, sê minha!

in OS MAIAS, capítulo VI, Biblioteca Digital Colecção CLÁSSICOS DA LITERATURA PORTUGUESA, © Porto Editora

(Série brasileira inspirada na obra de Eça de Queiroz, "Os Maias", de M. Adelaide Amaral. Edição de Elaine Cristina.) Fonte: Youtube, em 20/04/2009

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A LISBOA D'«OS MAIAS»

Rua das Janelas Verdes (Ramalhete)
O Marrare
Arcada do Terreiro do Paço
Avenida 24 de Julho



Hotel Central

Teatro de S. Carlos

(exterior)
(interior)
Teatro da Trindade



Casa Havanesa e Hotel Alliance
(Rua do Chiado, actual Rua Garrett)



Largo do Loreto, Chiado



TRANSPORTES DO SÉC. XIX, N'«OS MAIAS»

Dog-cart

— Ó vovô — gritou Carlos já excitado — diz ao Vilaça, anda.
Não é verdade que eu era capaz de governar o dog-cart?

(Os Maias, p. 62, Ed. Livros do Brasil)





Break
“Na manhã seguinte, às oito horas pontualmente, Carlos parava o break na Rua das Flores, diante do conhecido portão da casa do Cruges. (…) A criada dissera que o sr. Cruges morava agora na Rua de S. Francisco, quatro portas adiante do Grémio. Durante um momento, Carlos, desesperado, pensou em partir só para Sintra.”
...................................(Os Maias, p.218, Ed. Livros do Brasil)

Americano
“De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o americano, os dois amigos (Carlos e Ega) romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.”

(Os Maias, p.716, Ed. Livros do Brasil)
Diligência

“Depois falaram das viagens de Carlos, do Ramalhete, da demora do Ega em Lisboa… Ega vinha para sempre. Tinha dito do alto da diligência, às várzeas de Celorico, o adeus de eternidade.”

(Os Maias, p.104, Ed. Livros do Brasil)



Landau
"- Iam pelo Chiado abaixo; anteontem, às duas horas… Estou convencido que iam para Sintra. Levavam uma maleta no landau, e atrás ia uma criada num coupé com uma mala maior… Aquilo cheirava a ida a Sintra. E a mulher é divina!”
(Os Maias, p. 214, Ed. Livros do Brasil)



Coupé
"- Iam pelo Chiado abaixo; anteontem, às duas horas… Estou convencido que iam para Sintra. Levavam uma maleta no landau, e atrás ia uma criada num coupé com uma mala maior… Aquilo cheirava a ida a Sintra. E a mulher é divina!”
(Os Maias, p. 214, Ed. Livros do Brasil)


Vitória “Mas a grande ‘topada sentimental de Carlos’, como disse o Ega, foi quando ele, ao fim de umas férias, trouxe de Lisboa uma soberba rapariga espanhola, e a instalou numa casa ao pé de Celas. Chamava-se Encarnacion. Carlos alugou-lhe ao mês uma vitória com um cavalo branco e Encarnacion fanatizou Coimbra como uma aparição de uma Dama das Camélias.”

(Os Maias, p.94, Ed. Livros do Brasil)
Sege
“Durante os dias da Abrilada estava ele (Afonso da Maia) nas corridas de Epsom, no alto de uma sege de posta, com um grande nariz postiço, dando hurras medonhos”
(Os Maias, p.15, Ed. Livros do Brasil)


Traquitana
“E com efeito a velha traquitana de rodas amarelas acabava de ser uma alcova de amor, perfumada de verbena, durante as duas horas que Carlos rolara dentro dela, pela estrada de Queluz, com a senhora condessa de Gouvarinho.”
(Os Maias, p.300, Ed. Livros do Brasil)

Caleche
“Daí a dias, Afonso da Maia viu enfim Maria Monforte. Tinha jantado na quinta do Sequeira ao pé de Queluz, e tomavam ambos café no mirante, quando entrou pelo caminho estreito que seguia o muro a caleche azul com os cavalos cobertos de rede.”
(Os Maias, p.29, Ed. Livros do Brasil)

Trem
“Com efeito, apenas desembarcou, [Pedro] correu num trem a Benfica. Dois dias antes o pai partira para Santa Olávia. Fez-se então entre o pai e o filho uma grande separação.
(Os Maias, p.34, Ed. Livros do Brasil)

Faetonte
“E no dog-cart, com aquela linda égua, a ’ Tunante’ ou no faetonte com que maravilhava Lisboa, Carlos lá partia em grande estilo para a Baixa, para o ‘trabalho’.”
(Os Maias, p.102, Ed. Livros do Brasil)
fonte: teresamarques2009.wordpress.com, em 17/04/2009

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sintra
Hotel Lawrence


Hipódromo de Lisboa

- As Corridas de Cavalos -




As senhoras

terça-feira, 7 de abril de 2009

terça-feira, 31 de março de 2009

Reverendo Bonifácio: o original

Vilaça costumava dizer que lhe lembrava sempre o que se conta dos patriarcas, quando o vinha encontrar ao canto da chaminé, na sua coçada quinzena de veludilho, sereno, risonho, com um livro na mão, o seu velho gato aos pés.
Este pesado e enorme angorá, branco com malhas louras, era agora (desde a morte de Tobias, o soberbo cão são-bernardo) o fiel companheiro de Afonso. Tinha nascido em Santa Olávia, e recebera então o nome de Bonifácio: depois, ao chegar à idade do amor e da caça, fora-lhe dado o apelido mais cavalheiresco de «D. Bonifácio de Calatrava»: agora, dorminhoco e obeso, entrara definitivamente no remanso das dignidades eclesiásticas, e era o «Reverendo Bonifácio»



(...)
O «Reverendo Bonifácio», que desde que se tornara dignitário da Igreja comia com os senhores, lá estava já majestosamente sentado sobre a alvura nevada da toalha, à sombra de algum grande ramo. Era ali, no aroma das rosas, que o venerável gato gostava de lamber, com o seu vagar estúpido, as sopas de leite, servidas num covilhete de Estrasburgo. Depois agachava-se, traçava por diante do peito a fofa pluma da sua cauda, e de olhos cerrados, os bigodes tesos, todo ele uma bola entufada de pêlo branco malhado de oiro, gozava de leve uma sesta macia.
(...)
— Pois não é verdade, Sr. Afonso da Maia?
O velho sorriu, amaciando o seu gato.
— O verdadeiro patriotismo, talvez — disse ele — seria, em lugar de corridas, fazer uma boa
tourada.

(...)


Subiu. E pousara apenas a luz sobre a cómoda, quando sentiu ao fundo, no silêncio do corredor, um gemido longo, desolado, de uma tristeza infinita. Um terror arrepiou-lhe os cabelos. Aquilo arrastava-se, gemia no escuro, para o lado dos aposentos de Afonso da Maia. Por fim, reflectindo que toda a casa estava acordada, cheia de criados e de luzes, Ega ousou dar alguns passos no corredor, com o castiçal na mão trémula. Era o gato! Era o «Reverendo Bonifácio», que diante do quarto de Afonso, arranhando a porta fechada, miava doloridamente. Ega escorraçou-o, furioso. O pobre «Bonifácio» fugiu, obeso e lento, com a cauda fofa a roçar o chão: mas voltou logo, e esgatanhando a porta, roçando-se pelas pernas do Ega, recomeçou a miar, num lamento agudo, saudoso como o de uma dor humana, chorando o dono perdido que o acariciava no colo e que não tornara a aparecer. Ega correu ao escritório a pedir ao Vilaça que dormisse essa noite no Ramalhete. O procurador acedeu, impressionado com aquele horror do gato a chorar. Deixara o montão de papéis sobre a mesa, voltara a aquecer os pés ao lume dormente. E voltando-se para o Ega, que se sentara, ainda todo pálido, no sofá bordado a matiz, antigo lugar de D. Diogo, murmurou devagar, gravemente:
— Há três anos, quando o Sr. Afonso me encomendou aqui as primeiras obras, lembrei-lhe eu que, segundo uma antiga lenda, eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete. O Sr. Afonso da Maia riu de agouros e lendas... Pois fatais foram!
in QUEIRÓS, Eça de, OS MAIAS