REVERENDO BONIFÁCIO

Este pesado e enorme angorá, branco com malhas louras, era (...)o fiel companheiro de Afonso. Tinha nascido em Santa Olávia, e recebera então o nome de Bonifácio: (...) era o «Reverendo Bonifácio»
(in QUEIRÓS, Eça de, Os Maias)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Os modelos educacionais: Eusébio e Carlos, símbolos do passado e do futuro de um país.



.....Eis a comparação, sistematizada e devidamente documentada, entre a educação dada a Carlos da Maia e a dada a Eusébio Silveira.
.....Obviamente, não dispensa a leitura da obra, em especial os capítulos III e IV.







sexta-feira, 24 de abril de 2009

Eusébiozinho, o anjo sovado


.....Enquanto o escudeiro rolava para o pé da poltrona de Afonso, numa mesa baixa, os cristais e as garrafas de soda, Vilaça, com as mãos nos bolsos, de pé e pensativo, olhava a brasa da acha que morria na cinza branca. Depois ergueu a cabeça, para murmurar, como ao acaso:
.....— Aquele rapazito é esperto...
.....— Quem? o Eusebiozinho? — disse Afonso, que se acomodava junto ao fogão, enchendo alegremente o cachimbo. — Eu tremo de o ver cá, Vilaça! O Carlos não gosta dele, e tivemos aí um desgosto horroroso... Foi já há meses. Havia uma procissão e o Eusebiozinho ia de anjo... As Silveiras, excelentes mulheres, coitadas, mandaram-no cá para o mostrar à viscondessa, já vestido de anjo. Pois senhores, distraímo-nos, e o Carlos, que o andava a rondar, apodera-se dele, leva-o para o sótão, e, meu caro Vilaça... Em primeiro lugar ia-o matando porque embirra com anjos... Mas o pior não foi isso. Imagine você o nosso terror, quando nos aparece o Eusebiozinho aos berros pela titi, todo desfrisado, sem uma asa, com a outra a bater-lhe os calcanhares dependurada de um barbante, a coroa de rosas enterrada até ao pescoço, e os galões de ouro, os tules, as lantejoulas, toda a vestimenta celeste em frangalhos!...
Enfim, um anjo depenado e sovado... Eu ia dando cabo do Carlos.
.....Bebeu metade da sua soda, e passando a mão pelas barbas, acrescentou, com uma satisfação profunda:
.....— É levado do Diabo, Vilaça!
.....O administrador, sentado agora à borda de uma cadeira, esboçou uma risadinha muda; depois ficou calado, olhando Afonso, com as mãos nos joelhos, como esquecido e vago, Ia abrir os lábios, hesitou ainda, tossiu de leve; e continuou a seguir pensativamente as faíscas que erravam sobre as achas.
.....Afonso da Maia, no entanto, com as pernas estiradas para o lume, recomeçara a falar do Silveirinha. Tinha três ou quatro meses mais que Carlos, mas estava enfezado, estiolado, por uma educação à portuguesa: daquela idade ainda dormia no choco com as criadas, nunca o lavavam para o não constiparem, andava couraçado de rolos de flanelas! Passava os dias nas saias da titi a decorar versos, paginas inteiras do Catecismo de Perseverança. Ele por curiosidade um dia abrira este livreco e vira lá «que, o Sol é que anda em volta da Terra (como antes de Galileu), e que Nosso Senhor todas as manhãs dá as ordens ao Sol, para onde há-de ir e onde há-de parar, etc., etc.». E assim lhe estavam arranjando uma almazinha de bacharel...

in OS MAIAS, capítulo III, Biblioteca Digital Colecção CLÁSSICOS DA LITERATURA PORTUGUESA, © Porto Editora

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Carlos recorda como Ega lhe revelou quem era a Mãe

........E era simpático o pobre Alencar! Com que cuidado exagerado, ao falar de Pedro, de Arroios, dos amigos e dos amores de então, ele evitara pronunciar sequer o nome de Maria Monforte! Mais de uma vez, pelo Aterro fora, estivera para lhe dizer: — Podes falar da mamã, amigo Alencar, que eu sei perfeitamente que ela fugiu com um italiano!
........E isto fê-lo insensivelmente recordar da maneira como essa lamentável história lhe fora revelada, em Coimbra, numa noite de troça, quase grotescamente. Porque o avô, obedecendo à carta testamentária de Pedro, contara-lhe um romance decente: um casamento de paixão, incompatibilidades de naturezas, uma separação cortês, depois a retirada da mamã com a filha para a França, onde tinham morrido ambas. Mais nada. A morte de seu pai fora-lhe apresentada sempre como brusco remate de uma longa nevrose... Mas Ega sabia tudo, pelos tios... Ora uma noite tinham ceado ambos; Ega muito bêbado, e num acesso de idealismo, lançara-se num paradoxo tremendo, condenando a honestidade das mulheres como origem da decadência das raças: e dava por prova os bastardos, sempre inteligentes, bravos, gloriosos! Ele, Ega, teria orgulho se sua mãe, sua própria mãe, em lugar de ser a santa burguesa que rezava o terço à lareira, fosse como a mãe de Carlos, uma inspirada, que por amor de um exilado abandonara fortuna, respeitos, honra, vida! Carlos, ao ouvir isto, ficara petrificado, no meio da ponte, sob o calmo luar. Mas não pôde interrogar o Ega, que já taramelava, agoniado, e que não tardou a vomitar-lhe ignobilmente nos braços. Teve de o arrastar à casa das Seixas, despi-lo, aturar-lhe os beijos e a ternura borracha, até que o deixou abraçado ao travesseiro, babando-se, balbuciando «que queria ser bastardo, que queria que a mamã fosse uma marafona!...»
........E ele mal pudera dormir essa noite, com a ideia daquela mãe, tão outra do que lhe haviam contado, fugindo nos braços de um desterrado — um polaco talvez! Ao outro dia, cedo, entrava pelo quarto do Ega, a pedir-lhe, pela sua grande amizade, a verdade toda...
........Pobre Ega! Estava doente: fez-se branco como o lenço que tinha amarrado na cabeça com panos de água sedativa: e não achava uma palavra, coitado! Carlos, sentado na cama, como nas noites de cavaco, tranquilizou-o. Não vinha ali ofendido, vinha ali curioso!
Tinham-lhe ocultado um episódio extraordinário da sua gente, que diabo, queria sabê-lo! Havia romance! Para ali o romance!
........Ega, então, lá ganhou ânimo, lá balbuciou a sua história — a que ouvira ao tio Ega — a paixão de Maria por um príncipe, a fuga, o longo silêncio de anos que se fizera sobre ela...
........Justamente as férias chegavam. Apenas em Santa Olávia, Carlos contou ao avô a bebedeira do Ega, os seus discursos doidos, aquela revelação vinda entre arrotos. Pobre avô! Um momento nem pôde falar — e a voz por fim veio-lhe tão débil e dolente como se dentro do peito lhe estivesse morrendo o coração. Mas narrou-lhe, detalhe a detalhe, o feio romance todo até àquela tarde em que Pedro lhe aparecera lívido, coberto de lama, a cair-lhe nos braços, chorando a sua dor com a fraqueza de uma criança. E o desfecho desse amor culpado, acrescentara o avô, fora a morte da mãe em Viena de Áustria, e a morte da pequenita, da neta que ele nunca vira, e que a Monforte levara... E eis aí tudo. E assim, aquela vergonha doméstica estava agora enterrada, ali, no jazigo de Santa Olávia, e em duas sepulturas distantes, em país estrangeiro...
........Carlos recordava-se bem que nessa tarde, depois da melancólica conversa com o avô, devia ele experimentar uma égua inglesa: e ao jantar não se falou senão da égua, que se chamava Sultana. E a verdade era que daí a dias tinha esquecido a mamã. Nem lhe era possível sentir por esta tragédia senão um interesse vago e como literário. Isto passara-se havia vinte e tantos anos, numa sociedade quase desaparecida. Era como o episódio histórico de uma velha crónica de família, um antepassado morto em Alcácer Quibir, ou uma das suas avós dormindo num leito real. Aquilo não lhe dera uma lágrima, não lhe pusera um rubor na face. Decerto, preferiria poder orgulhar-se de sua mãe, como de uma rara e nobre flor de honra: mas não podia ficar toda a vida a amargurar-se com os seus erros. E porquê? A honra dele não dependia dos impulsos falsos ou torpes que tivera o coração dela. Pecara, morrera, acabou-se. Restava, sim, aquela ideia do pai, findando numa poça de sangue, no desespero dessa traição. Mas não conhecera seu pai: tudo o que possuía dele e da sua memória, para amar, era uma fria tela mal pintada, pendurada no quarto de vestir, representando um moço moreno, de grandes olhos, com luvas de camurça amarelas e um chicote na mão... De sua mãe não ficara nem um daguerreótipo, nem sequer um contorno a lápis. O avô tinha-lhe dito que era loira. Não sabia mais nada. Não os conhecera; não lhes dormira nos braços; nunca recebera o calor da sua ternura. Pai, mãe, eram para ele como símbolos de um culto convencional. O papá, a mamã, os seres amados, estavam ali todos — no avô.
........Baptista trouxera o chá, o charuto do Alencar acabara; e ele continuava na chaise-longue, como amolecido nestas recordações, e cedendo já, num meio adormecimento, à fadiga do longo jantar... E então, pouco a pouco, diante das suas pálpebras cerradas, uma visão surgiu, tomou cor, encheu todo o aposento. Sobre o rio, a tarde morria numa paz elísia. O peristilo do Hotel Central alargava-se, claro ainda. Um preto grisalho vinha, com uma cadelinha no colo.
Uma mulher passava, alta, com uma carnação ebúrnea, bela como uma deusa, num casaco de veludo branco de Génova. O Craft dizia ao seu lado: Très chic. E ele sorria, no encanto que lhe davam estas imagens, tomando o relevo, a linha ondeante, e a coloração de coisas vivas.
........Eram três horas quando se deitou. E apenas adormecera na escuridão dos cortinados de seda, outra vez um belo dia de Inverno morria sem uma aragem, banhado de cor-de-rosa; banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda na tarde; o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços; uma mulher passava, com um casaco de veludo branco de Génova, mais alta que uma criatura humana, caminhando sobre nuvens, com um grande ar de Juno que remonta ao Olimpo: a ponta dos seus sapatos de verniz enterrava-se na luz do azul, por trás as saias batiam-lhe como bandeiras ao vento. E passava sempre... O Craft dizia: Très chic. Depois tudo se confundia, e era só o Alencar, um Alencar colossal, enchendo todo o céu, tapando o brilho das estrelas com a sua sobrecasaca negra e mal feita, os bigodes esvoaçando ao vendaval das paixões, alçando os braços, clamando no espaço:

....................Abril chegou, sê minha!

in OS MAIAS, capítulo VI, Biblioteca Digital Colecção CLÁSSICOS DA LITERATURA PORTUGUESA, © Porto Editora

(Série brasileira inspirada na obra de Eça de Queiroz, "Os Maias", de M. Adelaide Amaral. Edição de Elaine Cristina.) Fonte: Youtube, em 20/04/2009

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A LISBOA D'«OS MAIAS»

Rua das Janelas Verdes (Ramalhete)
O Marrare
Arcada do Terreiro do Paço
Avenida 24 de Julho



Hotel Central

Teatro de S. Carlos

(exterior)
(interior)
Teatro da Trindade



Casa Havanesa e Hotel Alliance
(Rua do Chiado, actual Rua Garrett)



Largo do Loreto, Chiado



TRANSPORTES DO SÉC. XIX, N'«OS MAIAS»

Dog-cart

— Ó vovô — gritou Carlos já excitado — diz ao Vilaça, anda.
Não é verdade que eu era capaz de governar o dog-cart?

(Os Maias, p. 62, Ed. Livros do Brasil)





Break
“Na manhã seguinte, às oito horas pontualmente, Carlos parava o break na Rua das Flores, diante do conhecido portão da casa do Cruges. (…) A criada dissera que o sr. Cruges morava agora na Rua de S. Francisco, quatro portas adiante do Grémio. Durante um momento, Carlos, desesperado, pensou em partir só para Sintra.”
...................................(Os Maias, p.218, Ed. Livros do Brasil)

Americano
“De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o americano, os dois amigos (Carlos e Ega) romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.”

(Os Maias, p.716, Ed. Livros do Brasil)
Diligência

“Depois falaram das viagens de Carlos, do Ramalhete, da demora do Ega em Lisboa… Ega vinha para sempre. Tinha dito do alto da diligência, às várzeas de Celorico, o adeus de eternidade.”

(Os Maias, p.104, Ed. Livros do Brasil)



Landau
"- Iam pelo Chiado abaixo; anteontem, às duas horas… Estou convencido que iam para Sintra. Levavam uma maleta no landau, e atrás ia uma criada num coupé com uma mala maior… Aquilo cheirava a ida a Sintra. E a mulher é divina!”
(Os Maias, p. 214, Ed. Livros do Brasil)



Coupé
"- Iam pelo Chiado abaixo; anteontem, às duas horas… Estou convencido que iam para Sintra. Levavam uma maleta no landau, e atrás ia uma criada num coupé com uma mala maior… Aquilo cheirava a ida a Sintra. E a mulher é divina!”
(Os Maias, p. 214, Ed. Livros do Brasil)


Vitória “Mas a grande ‘topada sentimental de Carlos’, como disse o Ega, foi quando ele, ao fim de umas férias, trouxe de Lisboa uma soberba rapariga espanhola, e a instalou numa casa ao pé de Celas. Chamava-se Encarnacion. Carlos alugou-lhe ao mês uma vitória com um cavalo branco e Encarnacion fanatizou Coimbra como uma aparição de uma Dama das Camélias.”

(Os Maias, p.94, Ed. Livros do Brasil)
Sege
“Durante os dias da Abrilada estava ele (Afonso da Maia) nas corridas de Epsom, no alto de uma sege de posta, com um grande nariz postiço, dando hurras medonhos”
(Os Maias, p.15, Ed. Livros do Brasil)


Traquitana
“E com efeito a velha traquitana de rodas amarelas acabava de ser uma alcova de amor, perfumada de verbena, durante as duas horas que Carlos rolara dentro dela, pela estrada de Queluz, com a senhora condessa de Gouvarinho.”
(Os Maias, p.300, Ed. Livros do Brasil)

Caleche
“Daí a dias, Afonso da Maia viu enfim Maria Monforte. Tinha jantado na quinta do Sequeira ao pé de Queluz, e tomavam ambos café no mirante, quando entrou pelo caminho estreito que seguia o muro a caleche azul com os cavalos cobertos de rede.”
(Os Maias, p.29, Ed. Livros do Brasil)

Trem
“Com efeito, apenas desembarcou, [Pedro] correu num trem a Benfica. Dois dias antes o pai partira para Santa Olávia. Fez-se então entre o pai e o filho uma grande separação.
(Os Maias, p.34, Ed. Livros do Brasil)

Faetonte
“E no dog-cart, com aquela linda égua, a ’ Tunante’ ou no faetonte com que maravilhava Lisboa, Carlos lá partia em grande estilo para a Baixa, para o ‘trabalho’.”
(Os Maias, p.102, Ed. Livros do Brasil)
fonte: teresamarques2009.wordpress.com, em 17/04/2009

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sintra
Hotel Lawrence


Hipódromo de Lisboa

- As Corridas de Cavalos -




As senhoras

terça-feira, 7 de abril de 2009