REVERENDO BONIFÁCIO

Este pesado e enorme angorá, branco com malhas louras, era (...)o fiel companheiro de Afonso. Tinha nascido em Santa Olávia, e recebera então o nome de Bonifácio: (...) era o «Reverendo Bonifácio»
(in QUEIRÓS, Eça de, Os Maias)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Ega prevê o futuro de Carlos


.....«— Sou um ressequido! — disse ele [Carlos] sorrindo. — Sou um impotente de sentimento, como Satanás... Segundo os padres da Igreja, a grande tortura de Satanás é que não pode amar.
.....— Que frases essas, menino! — murmurou Ega.
.....Como frases? Era uma atroz realidade! Passava a vida a ver as paixões falharem-lhe nas mãos como fósforos. Por exemplo, com a coronela de hussardos em Viena! Quando ela faltou ao primeiro rendez-vous, chorara lágrimas como punhos, com a cabeça enterrada no travesseiro e aos coices à roupa. E daí a duas semanas, mandava postar o Baptista à janela do hotel, para ele se safar, mal a pobre coronela dobrasse a esquina! E com a holandesa, com Madame Rughel, pior ainda. Nos primeiros dias foi uma insensatez: queria-se estabelecer para sempre na Holanda, casar com ela (apenas ela se divorciasse), outras loucuras; depois os braços que ela lhe deitava ao pescoço, e que lindos braços, pareciam-lhe pesados como chumbo...
.....— Passa fora, pedante! E ainda lhe escreves! — gritou Ega.
(...)
.....Depois vindo plantar-se diante de Carlos, de monóculo no olho:
.....— Tu és extraordinário, menino!... Mas o teu caso é simples, é o caso de Don Juan. Don Juan também tinha essas alternações de chama e cinza. Andava à busca do seu ideal, da sua mulher, procurando-a principalmente, como de justiça, entre as mulheres dos outros. E après avoir couché, declarava que se tinha enganado, que não era aquela. Pedia desculpa e retirava-se. Em Espanha experimentou assim mil e três. Tu és simplesmente, como ele, um devasso; e hás-de vir a acabar desgraçadamente como ele, numa tragédia infernal!
.....Esvaziou outro copo de champanhe, e a grandes passadas pela sala:
.....— Carlinhos da minha alma, é inútil que ninguém ande à busca da «sua mulher». Ela virá. Cada um tem a «sua mulher» e necessariamente tem de a encontrar. Tu estás aqui, na Cruz dos Quatro Caminhos, ela está talvez em Pequim: mas tu, aí a raspar o meu repes com o verniz dos sapatos, e ela a orar no templo de Confúcio, estais ambos insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro!... Estou eloquentíssimo hoje, e temos dito coisas idiotas. Toca a vestir. E, enquanto eu adorno a carcaça, prepara mais frases sobre Satanás!"

(in QUEIROZ, Eça de, OS MAIAS, cap. VI, p. 151-152)

Sem comentários: